O TDAH em adultos é uma realidade que afeta significativamente mais pessoas do que se imaginava anteriormente. Em um período de 20 anos, a prevalência do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade aumentou de 6,1% para 10,2%. Ainda mais alarmante é o fato de que cerca de 60% a 70% das crianças diagnosticadas continuam apresentando sintomas comportamentais na idade adulta.
Entretanto, muitos adultos convivem com o TDAH sem diagnóstico adequado. Aproximadamente dois terços das crianças com o transtorno seguem com os sintomas na vida adulta justamente porque não receberam diagnóstico precoce. As consequências são sérias: adultos com TDAH têm oito vezes menos chances de conquistar um diploma universitário e cerca de 75% desenvolvem condições como depressão, ansiedade e distúrbios do sono.
Os sintomas do TDAH em adultos manifestam-se de maneiras diferentes quando comparados aos da infância, dificultando o reconhecimento do transtorno. Além disso, o impacto do TDAH na vida adulta vai além das dificuldades de concentração, afetando relacionamentos interpessoais, com índices mais elevados de divórcios e separações entre pessoas com o transtorno. Este artigo explora o que acontece com o cérebro de adultos com TDAH não tratado e como identificar os sinais para buscar ajuda adequada.
O que é TDAH em adultos e por que ele passa despercebido
O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) na vida adulta é uma condição neurobiológica crônica que afeta aproximadamente 3% dos adultos. Trata-se de um transtorno frequentemente associado à infância, porém, com características persistentes que acompanham o indivíduo ao longo de toda sua existência.
Diferenças entre TDAH na infância e na vida adulta
Enquanto na infância os sintomas mais visíveis são a hiperatividade e impulsividade, na vida adulta o quadro clínico se transforma consideravelmente. Crianças apresentam dificuldade em ficar quietas, comportamento impulsivo e problemas de atenção 2. Já na fase adulta, os sintomas incluem:
- Dificuldade de concentração e conclusão de tarefas
- Inquietação mental (em vez da física)
- Má gestão do tempo e desorganização
- Esquecimentos frequentes
- Oscilações de humor e impaciência 3
Adultos com TDAH raramente sobem em móveis ou correm sem parar, mas frequentemente se queixam de “inquietude física e mental, dificuldade de relaxar e necessidade de estar sempre ‘’fazendo coisas’’ 4. No ambiente profissional, isso se traduz em desempenho inconsistente, perda de prazos e conflitos com colegas 5.
Por que muitos adultos não são diagnosticados
O subdiagnóstico do TDAH em adultos ocorre por diversos fatores. Primeiramente, existe uma dificuldade na percepção do problema pelo próprio indivíduo, decorrente de déficits na função executiva cerebral 6. Além disso, a pesquisa sobre TDAH historicamente concentrou-se em homens, deixando mulheres e minorias raciais sub-representadas nos estudos 1.
Outro fator significativo é o desenvolvimento de mecanismos compensatórios. À medida que amadurecem, muitas pessoas com TDAH criam estratégias para contornar suas limitações, tornando os sintomas menos evidentes 6. Não raro, esses adultos são rotulados como “avoados”, “indisciplinados” ou “preguiçosos”, internalizando essas características como falhas de personalidade em vez de sintomas de um transtorno.
Adicionalmente, o TDAH em adultos frequentemente vem acompanhado de outras condições como depressão e ansiedade, que podem mascarar o diagnóstico primário 7.
É possível desenvolver TDAH na adolescência?
O TDAH é um transtorno de base neurológica com o qual a pessoa nasce, portanto, tecnicamente, não se “desenvolve” TDAH na adolescência 7. Entretanto, é nessa fase que muitos casos são identificados pela primeira vez.
O desenvolvimento do lobo frontal, responsável pelas funções executivas, começa na primeira infância e continua, em ritmo reduzido, até o início da vida adulta 8. Na adolescência, enquanto os sintomas de hiperatividade física tendem a diminuir, padrões de agitação interna podem aumentar significativamente 8.
Além disso, as novas demandas escolares e sociais próprias da adolescência podem evidenciar dificuldades que antes passavam despercebidas, levando à percepção dos sintomas e ao diagnóstico nessa fase da vida 2.
O que acontece com o cérebro sem tratamento
Quando o TDAH não recebe tratamento adequado, o cérebro sofre alterações importantes ao longo do tempo. Tais mudanças neurobiológicas fundamentam os sintomas comportamentais e explicam por que muitos adultos enfrentam dificuldades persistentes em diversas áreas da vida.
Alterações nas funções executivas
O comprometimento das funções executivas representa o ponto central do TDAH em adultos. Estas funções, coordenadas principalmente pelo córtex pré-frontal, incluem capacidades essenciais como planejamento, execução de tarefas, organização, gerenciamento do tempo e regulação emocional. Sem tratamento, estas alterações persistem, manifestando-se no dia a dia através da dificuldade em terminar tarefas no prazo, atrasos frequentes e esquecimentos recorrentes.
Estudos de neuroimagem demonstram funcionamento atípico no córtex pré-frontal dorsolateral e no córtex cingulado anterior, áreas fundamentais para o controle executivo. Além disso, a síndrome disexecutiva pode se apresentar com dificuldades em iniciar tarefas, manter atenção sustentada, estimar tempo adequadamente e controlar impulsos.
Redução de massa cinzenta em áreas específicas
Pesquisas volumétricas revelam espessura cortical e volume de matéria cinzenta significativamente reduzidos em adultos com TDAH não tratado. O córtex é comprovadamente mais fino em pacientes com o transtorno, principalmente em regiões cruciais para atenção e controle comportamental.
Estudos mostram volumes menores do caudado, cerebelo e matéria cinzenta frontal e temporal associados à maior gravidade dos sintomas. Ademais, ocorre desmielinização em redes neurais específicas, afetando especialmente o lobo frontal, corpo caloso, cerebelo, corpo estriado e amígdala.
Desregulação do sistema de recompensa
A deficiência de dopamina no cérebro não tratado provoca alterações no sistema de recompensa. Como consequência, pessoas com TDAH demonstram dificuldade em manter atenção em tarefas pouco estimulantes ou que não proporcionam recompensa imediata.
Pesquisas de neuroimagem identificaram que o sistema cerebral de recompensa de indivíduos com TDAH apresenta funcionamento peculiar: áreas cerebrais de recompensa mostram-se insensíveis às pistas de que algo bom virá, reagindo apenas quando a recompensa é efetivamente alcançada. Essa desregulação pode explicar tanto a impulsividade quanto a dificuldade de motivação para atividades rotineiras.
Impactos na memória e atenção
Apesar do nome “déficit de atenção”, o TDAH assemelha-se mais a uma “desregulação da atenção”. A comunicação neural comprometida nas regiões cerebrais associadas ao controle da atenção, memória de trabalho e planejamento prejudica significativamente o processamento de informações.
Estudos neuropsicológicos identificam prejuízos no processamento neuronal em regiões pré-frontais direitas. A atenção complexa e a memória verbal são funções particularmente afetadas, prejudicando o aprendizado e a retenção de informações no cotidiano.
Consequências práticas do TDAH não tratado
Adultos com TDAH não tratado enfrentam obstáculos significativos que impactam profundamente sua qualidade de vida. Aproximadamente 10 milhões de adultos apresentam este transtorno 9, com consequências que se estendem muito além das dificuldades de concentração.
Desafios no trabalho e nos estudos
No ambiente profissional, pessoas com TDAH não tratado frequentemente enfrentam desempenho inconsistente e dificuldades com responsabilidades cotidianas 9. Estudos revelam que trabalhadores com esta condição recebem salários até 17% menores quando comparados a pessoas sem o transtorno 10. Além disso, passam por períodos mais longos de desemprego e apresentam maior necessidade de auxílios por incapacidade 10.
A procrastinação e problemas de gerenciamento de tempo comprometem o desenvolvimento profissional. Muitos adultos com TDAH relatam não conseguir permanecer em empregos por mais de três meses 10 e frequentemente trocam de posições devido à rápida perda de interesse ou dificuldade em lidar com tarefas monótonas 11. No ambiente acadêmico, a situação não é diferente: cerca de 20% a 60% das pessoas com o transtorno apresentam dificuldades de aprendizagem que afetam leitura, matemática e escrita 12.
Problemas em relacionamentos interpessoais
Nos relacionamentos, o TDAH não tratado causa impactos profundos. Estudos mostram taxas mais elevadas de divórcio e menor apoio de amigos e familiares 13. A desatenção frequentemente é interpretada como desinteresse, gerando ressentimentos em relações próximas 14.
Comportamentos como esquecer compromissos importantes, não lembrar de conversas e acordos já realizados, além de constantes atrasos, deterioram os laços afetivos 13. Ademais, a mudança repentina de planos sem consulta prévia gera conflitos significativos 15, pois parceiros sem TDAH frequentemente relatam solidão e não desfrutam da vivência de compromisso e cumplicidade essenciais para um relacionamento saudável 16.
Baixa autoestima e frustração recorrente
O TDAH é reconhecido como um dos transtornos que mais afeta negativamente a autoestima 17. As críticas recorrentes somadas ao baixo desempenho transformam a dor emocional em um profundo senso de incapacidade 18. Muitos adultos com TDAH se sentem constantemente “atrasados” ou “incapazes” quando comparados aos outros 19.
A inabilidade para esconder o transtorno, combinada ao feedback negativo recebido, contribui severamente para que se sintam sempre errados ou cometendo falhas 17. Consequentemente, desenvolvem autocrítica patológica e o chamado “Complexo de Impostor” 18, intensificando o ciclo de isolamento social e fracasso que perpetua sentimentos crônicos de frustração e vergonha.
Comorbidades e riscos associados ao TDAH não tratado
A presença de condições associadas ao TDAH não tratado é extremamente comum, com pesquisas indicando que cerca de 75% dos adultos com o transtorno desenvolvem outros quadros psicológicos ao longo da vida 3. Este padrão de comorbidades frequentemente intensifica o sofrimento emocional e cria um ciclo prejudicial difícil de interromper.
Depressão e ansiedade
Aproximadamente 30% das pessoas diagnosticadas com tdah em adultos também sofrem com depressão 5. Estudos revelam que crianças com o transtorno têm três vezes mais probabilidade de desenvolver quadros depressivos posteriormente 5. De acordo com pesquisas recentes, adultos com TDAH têm 9% mais chances de desenvolver depressão grave e impressionantes 42% mais risco de tentativas de suicídio após desenvolverem depressão 20.
A ansiedade, por sua vez, representa a comorbidade mais comum, afetando cerca de um quarto das pessoas com TDAH 21. Esta relação ocorre tanto porque a ansiedade pode intensificar os sintomas do TDAH quanto porque o próprio transtorno, com suas dificuldades inerentes, pode desencadear quadros ansiosos 21.
Transtornos de uso de substâncias
Indivíduos com TDAH não tratado têm duas a três vezes mais propensão ao uso e abuso de substâncias em comparação à população geral 22. Um estudo da Universidade de Toronto demonstrou que 50% dos adultos jovens (20-39 anos) com o transtorno tiveram pelo menos um episódio de uso problemático de substâncias 22.
Pesquisas indicam que aproximadamente 30% das pessoas com transtornos por uso de substâncias apresentam comorbidade com TDAH 6. Este fenômeno ocorre principalmente como tentativa de automedicação, pois algumas substâncias acalmam a hiperatividade enquanto outras auxiliam na concentração 22.
Risco aumentado de acidentes e impulsividade
Pessoas com TDAH não tratado têm o dobro de risco de envolvimento em acidentes de trânsito 4. Estudos epidemiológicos concluem que o risco é 54% maior, enquanto estudos observacionais mostram que essas pessoas apresentam taxas significativamente mais elevadas de acidentes e infrações 4.
Uma pesquisa com mais de 17.000 condutores constatou taxas mais altas de acidentes envolvendo pessoas com TDAH: 6,5% contra 3,9% para homens e 3,9% contra 1,8% para mulheres 4. Além disso, em idosos com o transtorno, observa-se aumento de 74% no risco de acidentes veiculares 23.
Dificuldade em manter rotinas e compromissos
O caos provocado pelo TDAH não tratado afeta todas as esferas da vida. Na área profissional, pessoas com o transtorno frequentemente mudam de emprego, tendo dificuldade em consolidar uma carreira 11. Problemas com gestão de tempo resultam em atrasos constantes, tarefas incompletas e prazos perdidos 11.
Estas dificuldades também comprometem relacionamentos, pois esquecimentos de compromissos, perda de prazos e desorganização geral são frequentemente interpretados como desinteresse ou negligência 3.
Conclusão
Portanto, o TDAH em adultos sem tratamento representa um desafio significativo que vai muito além da simples “falta de atenção”. As alterações cerebrais documentadas – desde a redução de massa cinzenta até a desregulação do sistema de recompensa – explicam cientificamente o impacto devastador na vida cotidiana dessas pessoas. Além disso, as dificuldades profissionais, acadêmicas e interpessoais não surgem por falta de esforço, mas como consequência direta de um transtorno neuropsiquiátrico real que afeta aproximadamente 3% da população adulta brasileira.
Certamente, o diagnóstico tardio contribui para o desenvolvimento de outras comorbidades adjacentes. Adultos com TDAH não tratado enfrentam riscos significativamente maiores de depressão, ansiedade e dependência química, criando um ciclo devastador que compromete a qualidade de vida. A automedicação com substâncias e o desgaste emocional crônico tornam-se respostas inadequadas à frustração constante.
Apesar do cenário desafiador, o diagnóstico do TDAH na idade adulta abre portas para intervenções eficazes. O tratamento adequado, combinando abordagens medicamentosas e psicoterapêuticas, possibilita reorganização cerebral e desenvolvimento de estratégias compensatórias. Dessa forma, adultos com TDAH podem transformar potenciais dificuldades em forças, como criatividade, pensamento inovador e habilidade de hiperfoco em assuntos de interesse.
Finalmente, entender que o TDAH não significa incapacidade, mas um funcionamento cerebral diferente, representa o primeiro passo para quebrar estigmas. Muitos adultos, após diagnóstico correto, relatam alívio profundo ao compreender que suas dificuldades não resultam de falhas de caráter. Com acompanhamento especializado, torna-se possível desenvolver todo potencial cognitivo, emocional e social que permanecia bloqueado pelo transtorno não tratado. O diagnóstico precoce e o tratamento adequado mudam radicalmente a trajetória dessas vidas, convertendo um passado de frustrações em um futuro de possibilidades.
Referências
[1] – https://www.bbc.com/portuguese/articles/cwyl6gzrn06o
[2] – https://www.fcm.unicamp.br/adolescentes/aprenda/tdah
[3] – https://veja.abril.com.br/saude/os-desafios-dos-adultos-diagnosticados-com-tdah/
[4] – https://www.portaldotransito.com.br/noticias/mobilidade-e-tecnologia/seguranca/pessoas-com-tdah-tem-o-dobro-do-risco-de-se-envolver-em-acidentes/
[5] – https://eurofarma.com.br/artigos/a-relacao-do-tdah-com-a-depressao
[6] – https://www.scielo.br/j/jbpsiq/a/htwsmmn4zCkz6KY8JBX8yXs/
[7] – https://www.xn--direitosdascrianas-nvb.com.br/noticias/interna/tdah-na-adolescencia-o-que-e-diagnostico-tratamento-e-como-os-pais-podem-ajudar-os-filhos
[8] – https://artmed.com.br/artigos/tdah-na-adolescencia-sintomas-diagnosticoetratamento
[9] – https://vigilantesdamemoria.com.br/blog/voce-tem-sentimento-cronico-de-frustracao-voce-pode-ter-tdah
[10] – https://estudio.r7.com/tdah-na-vida-adulta-desafios-para-conquistar-e-manter-um-lugar-no-mercado-de-trabalho-15042024
[11] – https://institutodepsiquiatriapr.com.br/blog/consequencias-do-tdah-adulto-nao-tratado/
[12] – https://www.msdmanuals.com/pt/casa/problemas-de-sa%C3%BAde-infantil/dist%C3%BArbios-de-aprendizagem-e-do-desenvolvimento/transtorno-do-d%C3%A9ficit-de-aten%C3%A7%C3%A3o-com-hiperatividade-tdah
[13] – https://drdanielamado.com.br/se-voce-ama-alguem-com-tdah-leia-isso/
[14] – https://drjoaobomfimpsiquiatra.com.br/como-o-tdah-afeta-relacoes-pessoais-e-profissionais-em-adultos/
[15] – https://tdah.org.br/o-tdah-no-adulto-e-o-processamento-das-emocoes/
[16] – https://tdah.org.br/o-tdah-e-as-relacoes-conjugais/
[17] – https://tdah.org.br/a-auto-estima-das-pessoas-com-tdah/
[18] – https://dda-deficitdeatencao.com.br/tdah/baixa-auto-estima.html
[19] – https://deboravilarneuro.com.br/as-dificuldades-do-paciente-com-tdah-nao-tratado-impactos-na-vida-pessoal-academica-e-profissional/
[20] – https://www.cnnbrasil.com.br/saude/tdah-pode-aumentar-risco-de-anorexia-depressao-grave-tept-e-suicidio-diz-estudo/
[21] – https://cellerafarma.com.br/minha-saude/qual-a-relacao-entre-tdah-e-ansiedade/
[22] – https://drauziovarella.uol.com.br/psiquiatria/tdah-e-abuso-de-substancias-qual-e-a-relacao/
[23] – https://revistagalileu.globo.com/sociedade/comportamento/noticia/2023/10/idosos-com-tdah-sao-mais-suscetiveis-a-acidentes-de-carro-aponta-estudo.ghtml